Conhecer a "ex" e conversar o quê?
- Paula Pereira

- 30 de ago. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 29 de jan. de 2022
O que esperar quando você conhece a "ex" de alguém que você ama? Sim, a "ex", aquela mulher que compartilhou parte da vida dela com alguém que você ama. Um dia ela também o amou, também desenhou sonhos, também idealizou que "duraria para sempre". Mais que isso, essa mesma "ex" conheceu "seu" amor quando ele estava em outra fase da vida, quando ele era um homem menos experiente, mas talvez, já cheio de ambições.
Não sei "o que se deve" ou "o que se pode" perguntar para uma "ex". A única certeza que tenho é de que, em algum momento, aquela relação acabou. Restaram mágoas? Ficou tudo bem? Vai doer se você perguntar algo sobre o passado? E por que razão ela se importaria em falar para você? Conversar com a "ex dele", é uma caixinha de surpresas. E foi assim, toda "cheia de dedos", que acabei conhecendo a "ex" do meu pai.

Antes de conhecer minha mãe, papai foi casado com outra mulher durante quase 20 anos. Eu só soube disso quando já era adolescente. Óbvio, não havia razão para contar quando eu era ainda criança. Porém, quando papai contou para mim - de forma bem natural, sem receios- eu não soube interpretar se o assunto era passível das interrogações de uma mente curiosa:
"Como vocês se conheceram?"
"Por que não tiveram filhos?"
"Por que não deu certo?"
"O que ela fazia?"
Nunca perguntei muito. A vida toda eu só soube a versão dele: ela era professora numa escola da cidade e ele, em dado momento da vida, viu seu trabalho e seu coração conviverem em diferentes endereços. Ele havia conseguido um bom trabalho em outro estado e lá ficava, de segunda à sexta-feira, até retornar de ônibus à Cachoeiras de Macacu, no estado do Rio de Janeiro- uma viagem de cerca de 8 horas. A jornada era cansativa e seguiu assim por alguns anos.
Papai queria que ela se mudasse com ele para São Paulo, mas ela não queria se afastar da família e, eventualmente, ele sentiu que a vida dele empacou. Papai via oportunidade de progresso devido ao trabalho, mas eles não conseguiram chegar a um acordo. Então, se separaram. Papai disse que partiu apenas com seus pertences em uma maleta rumo à São Paulo. Vida nova... e nesse meio tempo, ele conheceu minha mãe.
Diferente das pessoas que se separam e queimam todos os registros fotográficos ao lado "daquela outra pessoa", papai guardou todas as fotos desses 20 anos. Eram álbuns repletos de fotos de amigos, dos colegas de trabalho, de Cachoeiras de Macacu e, claro, também de Zulmira, sua primeira esposa. Acredito que, para o papai, não havia motivos para apagar o passado assim. Durante um tempo foi bom, foi válido... foi o que foi.
Papai faleceu em 2016 e, cerca de três anos depois, fui à Cachoeiras de Macacu apresentar a cidade onde meu pai cresceu e narrou suas aventuras, ao meu marido, Sergei. Em Cachoeiras, não muito distante do centro da cidade, ainda vivia Zulmira, a "ex". Apesar da curiosidade, nunca me ocorreu de conhecê-la pessoalmente; eu imaginava que nos colocar frente a frente pudesse ser desconfortável ou quiçá "doloroso" para Zulmira. Mas um primo meu achava que esse encontro deveria acontecer. Certamente ele entendia que, lá no fundo, nós duas tínhamos essa curiosidade. Para ele, ela sempre foi "a tia Zulmira"... para mim, ela era apenas "a ex do papai".

Não foi nada planejado. Meu primo nos encontrou em Cachoeiras e disse que queria nos apresentar a ela. Na verdade, ela não tinha intenção nenhuma em me conhecer assim: em carne e osso. Porém, sendo o sobrinho querido que é, Zulmira acabou convencida a se dar esta chance. E lá entramos, a passos pequenos, na casa onde Zulmira vivia com sua irmã.

Desconfortável, imprevisível... eu não estava sendo apresentada a uma pessoa qualquer. Não era como ser apresentada a alguém "novo" numa reunião de trabalho ou festa de casamento. Apesar de não termos nenhuma "ligação sanguínea", diante de mim estava a mulher que durante quase vinte anos viveu com meu pai e que, depois dele, não se casou com mais ninguém... Ela certamente conheceu uma "versão" do meu pai que eu nunca conheci. E obviamente, até minha mãe conheceu uma versão dele que eu nunca vi, só ouvi.
Zulmira e sua irmã nos receberam em sua casa e lá na sala tivemos uma breve conversa. Não consegui perguntar nada sobre o passado dela com papai. Não tive coragem. Acabamos falando sobre o meu marido estrangeiro, sobre como nos conhecemos e como estava sendo nossa vida naquele ano. Meu primo "atiçava" Zulmira, querendo ver se ela enxergava semelhanças entre eu e papai. Ela não concordava. É... sempre fui mais parecida com a mamãe rs. Ela não perguntou nada sobre o papai - mas também, o que perguntar? Ela provavelmente não tinha interesse em saber sobre os outros quase 30 anos que ele havia vivido com "a outra mulher", a minha mãe.
A visita surpresa teve suco de laranja e um pequeno tour pela sala e pelo quarto. Nunca soube se ela guardou fotografias do papai e nem a ouvi contar sobre a vida deles naqueles anos todos... foi estranho, mas interessante ao mesmo tempo. Zulmira faleceu anos mais tarde e agora sou eu quem guarda os registros da vida deles. Papai guardou e respeitou os momentos vividos ao lado dela... então não há razão para eu fazer diferente.




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