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Horta e maternidade: quando tudo é incerto

  • Foto do escritor: Paula Pereira
    Paula Pereira
  • 8 de ago. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 29 de jan. de 2022


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Assim são minhas trompas de Falópio. Secas como um pé de tomate que não vai pra frente. Plantamos oito deles, os tomateiros. O primogênito cresceu um belo varão; passou a marca de 60cm de altura e suas folhas sempre foram as mais verdes e exuberantes. Lhe ofereceremos tratamento diferenciado: mais exposição ao sol, o primeiro a receber nutrientes, a ser observado de perto, a olho nu, à procura de possíveis invasores. Tínhamos uma grande expectativa de que ele seria frutífero. Ele seria o exemplo:


"Vocês, outros tomateiros, cresçam como este daqui ó.... ".

Meses se passaram e o "tomate-rei" estava lá, de dar inveja. "Agora vai!". Eu olhava pra ele e imaginava os galhos carregadinhos de tomates, como ilustrava a embalagem. A estação mudou e notei quando finalmente começaram a chegar as flores! Flores amarelas e delicadas como pequenos brincos feitos à mão. Eram várias delas e eu já estava pensando a quem eu presentearia o "excesso de tomates"!


Só que as tardes foram ficando mais quentes, o ar mais seco, sem vento.... e, uma a uma, as flores foram murchando, definhando e caindo ao chão. Um horror! Uma sequência catastrófica de abortos espontâneos! Nenhum tomate-cereja veio oficialmente ao mundo. "O que aconteceu? Estava tudo indo tão bem! Não fertilizamos direito? Não o nutrimos o bastante? É excesso de calor? É falta de nutrientes? É culpa do PH?".


Vi que algumas folhagens começaram a ressecar ... depois mais umas... mais outras... e após uma avaliação minuciosa, lá estavam eles: pequenos insetinhos se alimentando das folhas e atacando as delicadas flores do tomateiro. Ao mínimo toque, as flores caíam do pé; como em um passe de mágica.


Foram oito tomateiros e nenhum tomate. Foram meses de cuidado diário, de aprendizados... e nenhum sucesso que completasse a jornada para dizermos: "Criamos este tomate a partir da semente".


Não, este não é um texto sobre plantas, é sobre expectativas, ilusões e decepções. Olhando em retrospecto, vejo que me lancei à jardinagem com a mesma expectativa de quem sonha um dia ser mãe. Eu queria ser responsável pela horta, queria pegar a semente e propocionar a ela o ambiente e todo o cuidado necessário para que ela crescesse. Por um tempo senti que eu estava no caminho certo, mas meio ano mais tarde, depois de ter colhido literalmente "apenas pepinos" (em casa), nenhum tomate ou pimenta foi adiante. Estão todos contaminados com uma praga pequena e quase invisível que não consigo controlar: a amargura da incerteza.


Cansei de me iludir. Passei a olhar os tomateiros somente como plantas ornamentais: um arbusto verde, de galhos largos e folhas verdes que hoje "decoram" nossa cozinha e sala de estar. Se antes eles representavam a alegria dos frutos que vem ao mundo, hoje os assisto verdes.. só pelos verdes que são. Fugiu de mim aquela esperança, aquela expectativas de uma salada grega feita com tomates caseiros e orgânicos. E se a esperança saiu aos ventos pelas portas e janelas, a vida amargou um pouco mais quando me dei conta de que a grama do vizinho é sempre mais verde.


Deixei o tomate-rei isolado na sala. Não queria que ele fosse atacado pela mesma praga que circulava pela cozinha. Diariamente eu passava lá e já não observava atentamente suas folhagens. Apenas regava e via se ele continuava em pé, decorando o espaço.


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Um belo dia resolvi encarar o problema de perto, só para ver se os bichinhos que secaram suas flores ainda estavam fazendo moradia por lá. De repente, observei uma bolinha! Verde e redondinha, pouco maior que uma ervilha, um pequeno tomate parecia estar sendo gerado. "O filho único!". Você imaginaria que celebrei. Não, desta vez vou assistir seu desenvolvimento como quem já sabe que a única garantia na vida ... é a morte. Nova hashtag da vida: #pelofimdailusao.... #toazeda.


* Este não é um texto motivacional para mulheres que não conseguem engravidar, pelo contrário, ele narra a dureza de quem sofre a incerteza de uma das coisas mais valiosas da vida: gerar outra vida.


** Mas não se preocupem: o azedume também é temporário.

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