Ler diário: passatempo para não-românticos
- Paula Pereira

- 5 de set. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de fev. de 2022
Quando eu era adolescente, eu adorava escrever diários. Devo ter tido uns doze e estão todos sobrevivendo em cativeiro, no armário da sala. Você poderia achar que deve ser muito divertido olhar o próprio passado e se re-descobrir em todas aquelas páginas. Não, não é; porque quem você “lembra” que foi, não é como você “realmente era”.
Esses dias eu li um dos dos meus diários de quando eu tinha doze anos. Achei que eu ia encontrar alí uma menina tímida, do bem, de poucos amigos, que gostava de estudar. Aliás, tudo real até hoje, exceto pelo “menina”. Ao invés disso, vi alí uma garotinha que, a julgar pelo que escrevi, poderia ter sido simplesmente uma dessas adolescentes que eu acharia ridícula por falta de conteúdo.
Você sabe quando eu “ouso” ler um dos meus diários? A cada dois ou três anos, quando surge uma nova leva de cabelos brancos e me bate saudade da infância e da juventude. Aí eu leio e vejo que o passado que escrevi, não é aquele do qual sinto falta. Não que eu fosse uma menina mentirosa que inventava tudo, pelo contrário, tudo alí é tão real que chega a ser vergonhoso; certos detalhes, brigas e paixonites eu preferiria nem lembrar. Eu sinto falta é das coisas que não escrevi porque não tinha maturidade pra nisso. Quando criança, eu só queria… escrever.
O meu sexto diário era um caderninho colorido com Mickey Mouse na capa. Nele haviam páginas dedicadas a fazer qualquer criança pensar sobre o que realmente ela gosta, e não sobre o que ela simplesmente “conhece” ou “ouviu dizer”. Mas o que esperar de mim aos 12 anos? Não muito... E cá entre nós, enquanto eu não ler os próximos diários, vou continuar acreditando que aos 14 eu já era uma mocinha muito mais esperta!
Mas, com aquela idade, as partes que teriam sido interessantes preencher naquele diário eu deixei em branco por falta de vida mesmo. Por exemplo, como você teria respondido “Quem são seus ídolos?” no diário? Aos 12, meu mundinho era a escola que eu frequentava, os desenhos animados que eu assistia, minha bicicleta e os jogos de videogame. “Livros de cabeceira”, “Acontecimentos marcantes” e “Viagens inesquecíveis” são páginas que obviamente ficaram em branco no caderninho.
Algumas coisas eu respondi sim. Por exemplo:
“Músicos favoritos”? Hoje, por exemplo, eu preencheria essa lista facilmente, talvez faltando até linhas para colocar “só os favoritos”, mas, lá atrás, para ocupar espaço e parecer mais inteirada no assunto, distribuí cada cantor do grupo Dominó em uma linha diferente e acrescentei Michael Jackson no final - (Boba, ele devia ter sido o primeiro da lista; e acho que Beatles eu só fui conhecer dois anos mais tarde). Na seção de mulheres cantoras só entrou Talia - sim, a Maria do Bairro do SBT. (Hello, já ouviu falar em MPB, Paula?).
“Esportes”? Bah, vergonha total: Mike Jordan e Magic Paula- que eu provavelmente só conhecia de nome, já que esporte nunca foi minha praia.
Vendo assim, eu simplesmente não sabia muito da vida e menos ainda, da cultura do meu país. Atores, atrizes, cantoras e escritores brasileiros… nem sinal de vida.
Resolvi ler o diário para encontrar as partes onde eu compartilhava a alegria do dia a dia, as descobertas da vida, do mundo e dos relacionamentos; ao invés disso, encontrei um ser humaninho cru de sentimentos cuja emoção mais forte era a paixonite por uns menininhos que hoje nem sei quem são. Ah, faz parte. Assim como também fazem parte as pequenas maldades que cometi na infância e as mentiras que contei, tudo alí no confessionário-diário.
É, vou te dizer, eu gostava mais de mim lembrando só das partes boas; e sei que é preciso aceitar tudo o que está alí. Romantizar o passado é um passatempo gostoso; mas reler diários é tarefa para os fortes, porque confrontar a verdade de quem você foi, não é moleza.




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